
*Fotos: Diego Azevedo
Uma audiência pública para debater a questão do suicídio, especialmente entre a população jovem, foi realizada na Câmara de Vereadores do município de Cruz das Almas no Recôncavo da Bahia, na tarde desta quarta-feira (29). O ato traçou diretrizes e teve depoimentos fortes e emocionantes de convidados que perderam parentes e amigos.
A proposta foi sugerida pelo vereador Raimundo Fiuza (DEM), em Requerimento aprovado por unanimidade na Casa Legislativa. “Nós convidamos aqui, vários setores da comunidade cruzalmense, infelizmente muitos não compareceram. Mas o que nós queremos é discutir e debater propostas que venham ter efeitos e medidas efetivas de prevenção ao suicídio“, disse o autor da proposta.
Informações apresentadas no evento pela farmacêutica e terapeuta Tereza Martins (a partir do minuto 13), indicaram que no Brasil, pessoas ingerem até produtos agrotóxicos para tirarem a própria vida. Ela destacou que aqui na região por ser uma área agrícola, muita gente tem esses defensivos armazenados em casa, o que acaba sendo um perigo. E pediu que haja um olhar cuidadoso das famílias e autoridades para evitar que tragédias aconteçam.
Em Cruz das Almas, somente nos primeiros meses de 2021, várias pessoas, incluindo jovens, se mataram por motivos diversos. A profissional chamou a atenção também, para o número de suicídio no país. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2019, ocorreram 112.230 mortes por suicídio no Brasil. No mundo, esse número chega a cerca de 700 mil, com uma incidência maior entre os jovens de 15 a 29 anos.
Por sua vez, o médico psiquiatra Raul Vieira, que foi o palestrante da tarde, iniciou sua fala (a partir min 31) dizendo: “[…É um tema tão complexo, que interessa e motiva pesquisas e estudos nas mais diversas áreas, no que diz respeito a natureza humana. Psicologia, antropologia, sociologia, direito… é um tema muito amplo, muito delicado…]”.
Em outro trecho ele pontuou. “Não é fácil, nem muito agradável a gente lidar com temas que dizem respeito a morte. E o suicídio é algo que a gente não pode dissociar da ideia de morte. E quero acrescentar que o suicídio como algo que ameaça a vida de pessoas de qualquer comunidade, sempre foi endêmico… significa ser uma doença, sempre acometendo as populações…”.
Segundo o médico, até os indígenas cometem suicídio. Ele destacou vários fatores que envolvem a autoestima do ser humano, como gatilhos para desencadear a busca pelo fim à própria vida. Vieira reforçou a importância de se buscar ajuda, ao notar mudanças no comportamento de alguém próximo. Alguns sinais são: tristeza, isolamento do convívio com parentes e amigos, ideias pessimistas de si mesmo, entre outros.
Diretrizes
Ao propor a discussão sobre a depressão e o suicídio, a ideia da Audiência, além do debate, foi principalmente, traçar diretrizes para a criação do Comitê de Prevenção ao Suicídio no âmbito do município de Cruz das Almas.
Para isso, o espaço foi aberto para voluntários interessados em contribuir com as políticas públicas a serem implantadas a partir do encontro desta quarta-feira.
Depoimentos

Entre os relatos sobre a convivência com a depressão e proximidade com pessoas que cometeram suicídios em Cruz das Almas, o depoimento emocionante e corajoso do vereador Roberto Ximba, surpreendeu boa parte do público.
Ao falar de casos na própria família, incluindo ele próprio que passou por uma forte depressão “mas estou melhor“, e o irmão que acabou com a própria vida de maneira trágica, o vereador alertou que as vezes, até os profissionais tem dificuldade de identificar o grau de uma depressão que possa levar ao suicídio (a partir min 41).
“Eu tenho um irmão… ‘se eu me emocionar aqui, vocês me perdoem’… eu tenho, porque pra mim, ele não morreu… conhecido como Zé Megasom… e por um motivo, que não quero citar… pra mim, um motivo bobo, ele entrou em desespero. Não sei dizer se foi depressão… ficou duas semanas em casa… sem sair, sem tomar banho, sem querer conversar… só no quarto trancado…], descreveu Ximba, contando ainda que um dia antes da fatalidade, o irmão foi ao bar que costumava frequentar e tomou uma cerveja. E no dia do ato, “[…logo de manhã cedo, 5h, ele foi à casa da companheira dele, pediu pra falar com a companheira, ela não atendeu, ele comprou um vazo de gasolina, jogou no carro e tocou fogo com ele dentro e veio a falecer…]”.
Outra política da cidade que também passou por drama parecido na família, foi a vereadora Nádia Moura (a partir min 55,31seg). A mãe de seu marido também cometeu suicídio. Ela disse teve autorização para externar o caso, para servir de alerta para outras pessoas.
“O suicídio é algo tão impactante, que deixa a família zonza, tonta, sem chão… só que a gente que sofre esse impacto, acha que vai chegar o momento em que a dor vai passar, que a saudade vai amenizar, mas infelizmente não. Como se tratava de uma mulher alegre, gostava de festa, a casa só andava cheia [de gente], ninguém esperava que isso fosse acontecer [com ela]…”, advertiu Moura.
Quem também fez um depoimento sobre conhecer de perto pessoas que sofrem desse mal, foi a professora Acidailza, da UFRB (a partir de 1h47min). Ela informou ter conversado com alunos que demonstram alguns sinais depressivos. Inclusive, disse ter perdido um amigo de infância, que se matou recentemente.
A professora que se prontificou a fazer parte do Comitê para colaborar com a causa, pediu que o convite seja estendido à outros segmentos da sociedade, como religiões de matrizes africanas e centros espíritas.
Os convidados

Conforme o autor do requerimento, vários setores da sociedade cruzalmense foi convidada para participar do encontro, porém, nem todos compareceram. Um público reduzido, esteve na galeria.
No entanto, algumas entidades de classes como igreja católica, Polícia Militar e a UFRB, por exemplo, enviaram representantes. Entre os marcaram presença, estavam a secretária municipal de Saúde, Kaliane Ferreira, a advogada Ruane Brás, a sub-tenente da PM, Paganelle e o diretor de saúde Vitor Lúcio, a terapeuta Tereza Martins e o psiquiatra Raul Vieira.
Dos quinze vereadores do município, oito participaram do debate. Além do presidente Thiago Chagas e do autor do requerimento, Maria Cedraz, Pedro Melo, Nádia Moura, Ricardo Pinheiro, Camila Moura e Roberto Ximba.