“O Karatê não é tão unido como deveria… os outros professores [de Cruz das Almas], preferem se filiar à grupos de outros lugares, mas não fortalecem o da cidade…”, diz o sensei Arnaldo Neto
Faixa preta, sexto dan, multicampeão, professor e sensei Arnaldo Neto, abriu o coração nesta segunda-feira (31) e desabafou sobre falta de qualificação de alguns profissionais, discriminação na própria FKDEB (Federação de Karatê do Estado da Bahia) e também sobre não haver união entre professores de Cruz das Almas e da região, além da falta de apoio de parte da imprensa local.
Com uma longa e vitoriosa trajetória no currículo, o professor respondeu algumas perguntas do Acesse News, enviadas através do Whatsapp. Além dos fatos citados acima, também foi abordado com ele, o motivo de não haver muitos nomes cruzalmenses, disputando competições esportivas profissionalmente no cenário nacional, por exemplo.
O sensei Neto que está se preparando para seguir viagem com uma delegação de dezesseis karatekas de sua academia, para disputar o 10° Campeonato Brasileiro de Artes Marciais, na cidade de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, representando a Bahia, como super lutador do tatame, aproveitou a entrevista e desferiu alguns mae keagues com mae gueris, contra àqueles que não contribuem para o fortalecimento da modalidade cultua. Confira aí…
Acesse News: Neto, com tantos talentos do Karatê, por exemplo, que temos aqui, vocês sempre participam de competições nacionais e até internacionais. Mas, por quê a gente não tem alguns desses nomes disputando no cenário brasileiro como profissionais e vivendo dessa profissão. Sertão, no box, talvez tenha sido um dos poucos?
Sensei Neto: Veja bem… Infelizmente o Karatê é um esporte amador. Está como olímpico agora… teve uma apresentação nas Olimpíadas, mas ainda não é considerado um esporte olímpico, porque na verdade, eles [os organizadores] queriam poucas modalidades de cada país. [E] já tem o Judô que é do Japão. Mas aí, a repercussão do Karatê nas Olimpíadas foi muito grande. O pessoal viu algo novo, que na verdade abrilhantou o evento. Mas o Brasil ficou fora. O Brasil não teve representante. O que acontece com o Karatê [no Brasil], é o seguinte: existem muitas federações. E as principais federações, após a Lei Zico e a Lei Pelé, [permitiram] que a gente pudesse criar outras federações. E [a partir] daí sim… já quê as federações, principalmente a de Salvador eram muita fechadas e [com isso] só que ia para um [Campeonato] Brasileiro [eram eles]. Eu mesmo posso dizer isso, porque, eu fui o 1º campeão baiano de Karatê, de Cruz das Almas e logo depois, eles não me convocaram para o Brasileiro. E eu [na época] estava com 17 anos [de idade] e tinha chance de disputar e ganhar. Só que eles mandaram o atleta que havia ficado em 3º lugar. E com isso, esse atleta de Salvador acabou ganhando o Campeonato. Na época eu fiquei muito chateado com isso.
AN: Mas por quê você acha que aconteceu isso?
SN: Na verdade a gente [do interior] nunca teve força. A gente começou a ter uma força no Karatê em Cruz das Almas, depois que minha equipe se graduou e eu me tornei professor. Antes disso, a gente era humilhado demais. Feira de Santana colocava a gente como sub Dojô deles. Então, a gente era visto como um qualquer. A gente era um grupo pequeno, um sub dojô. Mas quando eu me tornei professor, aí sim, eu comecei a mostrar as caras, preparar atletas e esses atletas chegarem lá [nas competições] e ‘bater testa’ com o pessoal de Salvador. Eu comecei me graduar… por isso que é importante o professor graduado. E aí eles começaram a me ver, não mais como um simples professor. E com isso foi melhorando.
AN: E em termo de apoio…?
SN: Em relação a patrocínio, é cada vez mais difícil, porque… [em termo de repercussão] hoje você sabe que, uma notícia de assalto ou algo parecido, chama mais a atenção do que um atleta sendo campeão. Um exemplo [disso aqui], foi o nosso último evento. Se você [Acesse News] não divulgasse… mandei [também] pra muitos amigos meus [da imprensa local], mandei o anúncio para todas as rádios. Você [no site] divulgou e Róger Cerqueira, também divulgou e me chamou [para entrevista], mas os outros não me chamaram, por quê…? Porque não é interessante pra eles. Eles querem falar do Esporte Clube Bahia, mas acham que falar sobre um atleta de karatê na cidade, não chama a atenção [não dá audiência]. Mas é o contrário… A sua reportagem foi longe, entendeu? Foi muito bom pra nós. Conseguimos até um patrocínio agora com a Nacional Calçados e Confecções, que com certeza foi através de uma entrevista que ele [responsável pelo comercial da loja] viu. E com isso, matriculou o filho, começamos fazer um bom trabalho, o menino já é Campeão Baiano. Ele percebeu o profissionalismo que a gente tem para preparar um atleta para ter um título importante.

AN: Você é um profissional do Karatê que se mantém aí há muito tempo, apesar das dificuldades… por quê outros não conseguem se destacar?
SN: O Karatê, ele não é tão unido como deveria. Os outros professores da cidade [Cruz das Almas], preferem se filiar a grupos de outros lugares, mas não fortalecem o da cidade, entende…? Eu sou reconhecido como mestre em Karatê praticamente por todo o Brasil. Já graduei professores de Aracajú, do Rio Grande do Norte, agora mesmo vou graduar professores de Brasília e de vário outros lugares, mas o pessoa [da cidade] e da região aqui não querem [se graduar comigo]. Eu sou o mais graduado do Recôncavo, mas muitos professores daqui não querem se graduar comigo porque acham que se graduar com alguém da região não tem valor. Mas, na verdade eu sou super rígido em relação a graduação. Quero o conhecimento [do aluno]. Sempre exigir que eles busquem se dedicar da mesma forma que me dediquei. Mas, muitos querem graduação, de graça… aí é muito complicado. E tem que mostrar capacidade. Mas muitos não têm capacidade.
AN: E como viver dessa profissão?
SN: Como falei no início que Karatê é amador… acabou tendo competições sem ganhar dinheiro. Mas uma época chegou ter um ‘Karatê Combat’, tipo MMA, mas só que não deu muito certo. Porque foi muito bruto. Não tinha regras. Virou um vale tudo e acabou machucando [atletas] e muita gente desistiu. As competições ficaram muito perigosas. [Mesmo] o vale tudo aqui no Brasil, não é tão liberado assim não. O pessoal fala sobre algumas artes marciais, como o Kickboxing, o Muaytai, que utilizam ringue, o próprio MMA, que é uma mistura de artes marciais, mas na verdade, acabam as apostas não sendo tão grande. Eu tô percebendo que o Karatê está indo pra um lado, estilo MMA. Tendo o Karatê Combat agora, aí sim, quem ganhar a competição, vai ganhar dinheiro. Aí ta virando, na realidade um karatê profissional. Espero que um dia eu leve atletas. Porque acho que eu participar, não tenho mais idade pra isso. Bem que eu gostaria. Porque, mesmo eu tendo 48 anos [de idade], eu luto tranquilo com essa turma de vinte e poucos anos. Então, estou preparado pra isso, mas pela graduação, eles querem atletas novos. Então o Karatê está indo pra esse lado, ao invés de competição, combate mesmo.
AN: Quando diz que professores da cidade e da região não querem se graduar com você. Isso o incomoda… se sente rejeitado?
SN: Veja bem… há muito tempo, a gente era muito descriminado, por ser do interior da Bahia, por ser nordestino. Vamos colocar [aqui uma situação] do Campeonato Baiano. Para eu conseguir ser Campeão Baiano, em Salvador, dentro do Sesc, contra um atleta do Sesc, eu tive que marcar vários pontos, pra conseguir valer 1 ou 2. O atleta que lutou comigo, eu nunca vou esquecer essa imagem, já não estava mais aguentando lutar comigo, porque já havia recebido vários golpes. Aí, um professor, de renome na época, virou para o árbitro central e falou bem assim… ‘dê logo a vitória para o rapaz… você quer que ele mate o outro atleta? Ele já ganhou’! Foi aí que eles me deram a vitória. Mas eles queriam de toda forma dar a vitória para o atleta faixa preta do Sesc. [Ou seja] eu lutei dentro do Sesc Aquidaban, em Salvador e eu era faixa roxa. E a grande prova dessa discriminação, foi que logo depois teve o Campeonato Brasileiro e eu não fui convocado. Convocaram o atleta que foi o 3º colocado, lá de Salvador, e esse atleta foi campeão. Então com eles não tinha essa coisa de um atleta do interior ganhar de alguém da capital. E aí acontece isso [a discriminação] hoje com os professores. Principalmente de Santo Antônio de Jesus. [Por lá] tem professores de graduação alta, mas com muito pouco conhecimento. E eles não querem buscar esse conhecimento aqui [comigo]. Eles preferem buscar em Salvador. Às vezes, com pessoas até com fraco conhecimento. Não são todos os professores de salvador que eu digo pra você que tem bom conhecimento. Ao contrário. Uma das minhas maiores decepções, foi quando me tornei faixa preta. Quando fui para as aulas, percebi que as pessoas que eu tinha como grandes mestres, não sabiam muito [sobre] o karatê, não sabiam muito [sobre] katá… e não tinham nomes na história [dessa arte]. Quando comecei analisar cada professor, percebi que muitos nem tinham nomes [na érea]. Percebi que muitos se escondiam atrás do aluno, ou do nome da academia. Mas não eram respeitado como professor de alto nível. às vezes ouço aguem dize que está treinando em Salvador, com um japonês. Nem todo japonês que dá aula, é um excelente mestre em Karatê…. a história é longa. A minha experiência, graças a Deus é muita, porque investir muito nisso.
AN: Quando você fala sobre a falta de qualificação desses professores com os quais teve contato no início de sua carreira e hoje se diz um profissional graduado e experiente. Como foi a sua base e graduação?

SN: Bom. Eu fiquei nove anos na Federação Tradicional e conheci bons mestres lá. Fui graduado por Yoshida Matsuda, Enok, grandes mestres que vinha de fora. Naquela época, eles traziam muitos professores de renome a nível mundial, para a Bahia, depois pararam. Eu fui graduado sensei, com o mestre Ragel. E eu era muito viciado em cursos. Então, tinhas uns cursos em São Paulo, aí eu verificava os nomes dos professores. E também, haviam muitos mestres que vinham da aulas na Bahia e eu percebia [a baixa qualificação], infelizmente isso acontece em todas as áreas. Existem mestres de renomes, né… mestre que realmente sabem ensinar. E tem outros que mais dificuldades. Aí comecei me graduar dessa forma… fui reconhecido por várias Confederações, São poucos professores que teem a coragem que eu tive de apresentar minha graduação à outras Confederações e ser aprovado. E também já participei de muitas federações e confederações aqui na Bahia. Eentã isso fez com que eu tivesse um conhecimento maior. Me tonei um Diretor Técnico de uma federação em Salvador, por mais de dez anos. Por lá eu aprendi com alguns cursos e também passei conhecimento. Participava de aulas de faixas preta e percebia que poucos faixas pretas participavam. E de Cruz das Almas, é difícil ver esses faixas pretas participando.