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O legado poético da bordadeira Zinha Costa

Ontem, a escritora Zinha Costa, nossa confreira centenária, que há poucos dias havia completado 101 anos, partiu para o plano maior.

Dona Zinha ocupava a cadeira número 16 da Academia Cruzalmense de Letras (ACL). Seu livro “Poemas Bordados em Bastidores” é muito bonito, tocante, profundo. Das suas mãos, que bordaram boa parte dos enxovais de quem vive em Cruz das Almas, saíram poemas-recados de vida, cuja leitura nos amplia, nos humaniza.

A cerimônia que a acolheu na ACL foi um dos eventos mais especiais que já vivi: poucas vezes testemunhei um estado de presença coletivo tão forte. O silêncio reinava, o olhar atento do público tinha algo de comovente. Da segunda à quinta foto (a ordem das fotos foi alterada, na galeria abaixo leia-se fotos do topo, 3, 5, 6 e 7), são fotos feitas por Luciano, naquele inesquecível momento, ocorrido em julho do ano passado.

Como tudo que circundou Dona Zinha em vida, pertence ao reino da delicadeza, em seu dia de despedidas não haveria de ser diferente: a beleza d’alma estava lá a reger a tarde, a iluminar nossos gestos, a preencher os corações.

Nós, da ACL, nos fizemos presentes, dando voz a seus poemas, chamando a literatura para aquele instante em que sua inteireza foi evocada no lindo texto escrito por sua bisneta, na música de Luiz Gonzaga que sua outra bisneta a ofereceu em sua sanfona e na fala emocionada da amiga catequista.

Vimos e sentimos sua presença na fala de ternura da querida Lu Lordelo, nos poemas lidos por Pablo, Luciano e pela tão conhecida professora de português da cidade. Vimos e sentimos seu ser nos abraços trocados.

Dona Zinha teve a dádiva de, ao ter vivido por mais de 100 anos, nos deixar a sensação de que ela é alguém que pôde, de fato, concluir o caminho, encerrar a jornada, a qual percorreu devotada ao exercício do bem. À ela todos os nossos aplausos, toda a nossa reverência. (Confira fotos na galeria… deslize para o lado).

Sua existência está bordada na vida de tanta gente… inclusive na minha, embora eu não tenha nenhuma peça de roupa com suas linhas coloridas.

Mas vejam: quis a vida que sua correspondência, para a Academia Cruzalmense de Letras, quando da sua posse como acadêmica, fosse a mim encaminhada, porque sou eu a presidi-la atualmente. Agradeço ao Universo por esta coincidência histórica.

Ontem, nós, seus confrades e suas confreiras, emocioados/as, colocamos seu fardão como um manto sagrado sobre seu rito final, e ela, uma mulher que estudou até a oitava série, como fez questão de enunciar em seu livro, deixou este mundo com todas as honrarias de uma imortal, com todas as alegrias de quem vive para espalhar sensibilidade no planeta. Quanta honra a nossa.

A bordadeira e escritora Zinha Costa deixa um belíssimo legado, o qual a cidade de Cruz das Almas tem a obrigação de abraçar, ressoar, reverberar. Que a ACL, a universidade e as escolas da cidade façam a sua parte!

**Sarah Roberta de Oliveira Carneiro (sarah.palavra@gmail.com) é jornalista, escritora, dançarina e doutora em Ciências Sociais. Participa das ações do Coletivo Jacinta Passos. É também professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e presidenta da Academia Cruzalmense de Letras (ACL). Siga: @resistenciafeministacda/

2 Comentários

  1. Conheci a dona Zinha, ainda crianca e com ela aprendi muita coisa boa. Como amar a vida como ela é, com simplicidade e alegrias.
    Descanse em paz minha amiga ( VEA ).
    Do seu amigo e admirador, Totó

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